Um pouco sobre a Etnomatemática

I - EMBASAMENTO HISTÓRICO.

Desde o fim do século XIX os etnógrafos já se utilizavam do termo Etnociência (Sturtevant - 1964) e conceitos com ele relacionados como Etnolinguística, Etnobotânica, Etnozoologia, Etnoastronomia, etc., com concepções bem diferentes da que hoje utilizamos para a Etnomatemática.

Depois do fracasso da Matemática Moderna, na década de 70, apareceram, entre os educadores matemáticos, várias correntes educacionais desta disciplina, que tinham uma componente comum – a forte reação contra a existência de um currículo comum e contra a maneira imposta de apresentar a matemática de uma só visão, como um conhecimento universal e caracterizado por divulgar verdades absolutas. Além de perceberem que não havia espaço na Matemática Moderna para a valorização do conhecimento que o aluno traz para a sala de aula, proveniente do seu social, estes educadores matemáticos voltaram seus olhares para este outro tipo de conhecimento: o do vendedor de rua, estudado por Nunes e Caraher, das brincadeiras, dos pedreiros, dos artesões, dos pescadores, das donas de casas nas suas cozinhas, etc..

Nascem então termos metafóricos para designar esta matemática de diferenciá-la daquela estudada no contexto escolar, ressaltamos: D´Ambrosio, em 1982, denominou de Matemática Espontânea os métodos matemáticos desenvolvidos por povos na sua luta de sobrevivência.

Ubiratan D´Ambrosio se utiliza em 1985, pela primeira vez o termo Etnomatemática, isto no seu livro: “Etnomathematics and its Place in the History of Mathematics”, onde o termo este inserido dentro da História da Matemática. Este autor cita que em 1978 utilizou este termo numa conferencia, que pronunciou na Reunião Anual da Associação Americana para o Progresso da Ciência, que infelizmente não foi publicada.

II – O SURGIMENTO:

A Etnomatemática Teve sua origem na busca de entender o fazer e o saber matemático de culturas periféricas e marginalizadas, tais como colonizados, indígenas e classes trabalhadoras. Remete, naturalmente, à dinâmica da evolução desses fazeres e saberes, resultante da exposição a outras culturas. Mas a cultura do conquistador e do colonizador de antanho e das classes dominantes atuais também evoluiu a partir da dinâmica de encontro.

Ela permite um enfoque mais abrangente dos estudos de história e filosofia É importante adotar novas propostas historiográficas e epistemológicas que permitam lidar com a difícil tarefa de recuperar, na história das ciências e da tecnologia, o equilíbrio que deve resultar da mescla de tradições. A busca de alternativas historiográfica.

Para dar uma visão de quando essa corrente será definitivamente enunciada e aceita pela comunidade científica como teoria, temos que recorrer aos filósofos da ciência, pois são eles os responsáveis por caracterizar uma corrente científica, ou como dizem os kuhnianos, quando se tem uma “ciência normal”.

Thomas S. Kuhn. Kuhn nos fornece com certa clareza os caminhos que devem ser percorridos por um acento científico, desde o seu nascimento até sua ruptura, através de uma revolução, “(...) Mesmo sendo a ciência praticada por indivíduos, o conhecimento científico é intrinsecamente um produto de grupo e é impossível entender tanto a sua eficácia peculiar como a forma de seu desenvolvimento, sem fazer referência à natureza especial dos grupos que a produziram. Nesse sentido, o trabalho desses grupos tem profundas raízes sociológicas, mas não de uma maneira que permita separar o sujeito de espistemologia.”.

O Programa Etnomatemática não se esgota no entender o conhecimento [saber e fazer] matemático das culturas periféricas e marginalizadas. Também o conhecimento das culturas dominantes deve ser entendido de forma muito mais geral que a simples descrição e assimilação de teorias e práticas consagradas pelo ambiente acadêmico. Deve-se entender o conhecimento, seja das culturas periféricas e marginalizadas, seja das dominantes, na complexidade do ciclo da sua geração, organização intelectual, organização social e difusão. Deve-se também levar em forte consideração a dinâmica cultural dos encontros [de indivíduos e de grupos] e a dinâmica de adaptação e reformulação que acompanha o ciclo da geração, organização intelectual, organização social e difusão do conhecimento. O Programa Etnomatemática tem, portanto, ligações com a Etnografia e a Antropologia, com a Cognição e a Lingüística, com a História e a Sociologia, com a Filosofia e a Religião, e com a Educação e a Política. Mas vê todas essas ligações com a visão da transdisciplinaridade. O fato não se subordina às classificações disciplinares.

III - OBJETIVO:

Embora uma importante vertente da Etnomatemática seja buscar identificar manifestações matemáticas nas culturas periféricas, tomando como referência a matemática ocidental, o Programa Etnomatemática tem como referências categorias próprias de cada cultura, reconhecendo que é comum a toda espécie humana a satisfação de pulsões de sobreviver, que se dá agora e aqui, e de transcender o momento temporal e espacial da sobrevivência.

Sobrevivência e transcendência são absolutamente integradas, numa relação como que simbiótica. A satisfação do pulsão integrado de sobrevivência e transcendência leva a desenvolver modos, maneiras, estilos de explicar, de entender e aprender, e de lidar com a realidade perceptível. O pensamento abstrato, próprio de cada indivíduo, é uma elaboração de representações da realidade e é compartilhado graças à comunicação, dando origem ao que chamamos cultura. Os instrumentos [materiais e intelectuais] essenciais para essa elaboração incluem, dentre outros, os sistemas de comparação, classificação, ordenação, medição, contagem e inferência. O Programa Etnomatemática tem como objetivo entender o ciclo do conhecimento em distintos ambientes, procurando explicações sobre como tais sistemas foram se estruturando ao longo da história de um indivíduo, de uma comunidade, de uma sociedade, de um povo.

IV – IMPLICAÇÕES PEDAGOGICAS:

O Programa Etnomatemática tem importantes implicações pedagógicas. Educação é, em geral, um exercício de criatividade. Muito mais que transmitir ao aprendente teorias e conceitos feitos, para que ele as memorize e repita quando solicitado em exames e testes, a educação deve fornecer ao aprendente os instrumentos comunicativos, analíticos e tecnológicos necessários para sua sobrevivência e transcendência. Esses instrumentos só farão sentido se referidos à cultura do aprendente ou explicitados como tendo sido adquiridos de outra cultura e inseridos num discurso crítico. O Programa Etnomatemática destaca a dinâmica e a crítica dessa aquisição. (O PROGRAMA ETNOMATEMÁTICA - Ubiratan D’Ambrosio)

Fonte:

1. D’Ambrosio, Ubiratan. O PROGRAMA ETNOMATEMÁTICA. Disponível em http://www.fe.unb.br/etnomatematica/
2. __________________. O QUE É ETNOMATEMÁTICA. Disponível em http://www.ufrrj.br/leptrans/arquivos/etno.pdf